domingo, 16 de novembro de 2008

Mary Wigman e a dança do expressionismo


Vídeo na internet: http://br.youtube.com/watch?v=Tp-Z07Yc5oQ

Por Lígia Helena e Luanda Eliza

O expressionismo alemão

Para o expressionismo, sobretudo germânico, “a arte era muito mais do que um aspecto da atividade humana”. Em última análise, ela circunscrevia o único momento em que a subjetividade podia dar provas de sua potência, num mundo em que os limites impostos pelos processos objetivos praticamente anulavam qualquer autonomia do sujeito.
Paralelamente aos impulsos pioneiros dos dançarinos alemães, desde antes da Primeira Guerra Mundial, uma geração de professores e coreógrafos alemães, incluindo Laban e Wigman, buscou libertar o vocabulário da dança dos rígidos códigos do ballet clássico e criou um novo tipo de dança. A tentativa era de usar o movimento para expressar as suas emoções mais profundas a fim de alcançar leis universais de expressão.
A dança moderna na Alemanha se desenvolveu principalmente como uma busca por essências que respondessem à grande ansiedade e inquietude características do conceito histórico da I Guerra e das então recentes elaborações da psicanálise de Freud. A resposta a esses fatos foi um movimento para dentro. Para os dançarinos, como para toda uma geração de artistas expressionistas, a única verdade viria das emoções internas, já que a realidade exterior não se mostrava confiável.
As outras influências poderosas na formação do expressionismo alemão vieram da tradição austro germânica do cabaré, com seu desejo de transformar a vida cotidiana em eventos artísticos, e do conceito de Nietzsche de um “novo homem”.

Primeiras referências

Marie Caroline Sofie Wigmann (1886-1973), Mary Wigman, começou na dança pela Escola Rítmica de Dalcroze, que formulou um sistema de ensino segundo o qual a educação auditiva deveria começar por um senso rítmico que é basicamente muscular, estipulou assim que o corpo era o instrumento primordial para assimilação da música. Teria importante repercussão sobre a nascente dança moderna através de seus três princípios: 1. O desenvolvimento do sentido musical passa pelo corpo inteiro. 2. O despertar do instinto motor conscientiza as noções de ordem e equilíbrio. 3. A ampliação da faculdade imaginativa se faz por livre troca e íntima união entre o pensamento e o movimento corporal.
No entanto, Mary Wigman, rompe com ele por discordar de seu insistente método de contagem do ritmo, que destruía a imaginação do movimento. Na mesma época um amigo, Emil Nolde, pintor expressionista que foi influência fundamental na primeira fase de seu trabalho como criadora (com suas máscaras que inspiraram-lhe uma dança trágica de movimentos sôfregos) lhe fala sobre Rudolf Von Laban: “Ele se move como você e dança como você, sem música.”
Laban é criador de um método de registro gráfico dos movimentos corporais, o Labanotation, com o objetivo de provar que o movimento corporal determina todas as formas de arte, pois encerra a energia básica para qualquer modo de expressão.
Wigman tornou-se então aluna e, depois, assistente de Laban quando compôs seu primeiro solo Wich Dance (Dança da Bruxa), uma dança que se utilizava da máscara e que ficou marcada para ela e seu mentor por ser absolutamente revolucionária.
Durante este encontro com Laban, Wigman afirma ter descoberto a si mesma, encontrando a concepção sobre o movimento como fonte de análise introspectiva, contrapondo-se a mera ilustração da realidade fornecida pela mímica.

Ausdruckstanz: a dança do expressionismo


“Quem foi o louco que afirmou que a dança depende da música.”
Mary Wigman


Wigman não se limitou a propagar modelos apreendidos, para ela era necessário construir uma nova arte, então desenvolveu sua própria dança que ficou conhecida como Ausdrucktanz (literalmente, a dança da expressão).
Criou obras solo e de grupo nas quais personagens eram substituídos por tipos universais, genericamente chamados MULHER, MORTE, DOR. Através de seus gestos ela criava alegorias que funcionavam como ampliações coreográficas da vida. A dança de Wigman centrava-se na oscilação das emoções humanas, pois tentava sintetizar os pólos opostos da tensão e do relaxamento, da contração e da expansão. Em Evening Dances (Danças Noturnas) Wigman condensava as forças de Deus e do demônio dentro dela própria.
Em busca de uma “arte alemã pura e essencial”, Wigman faz a coreografia de uma época sofrida, quando a Alemanha, recém saída de uma guerra, encaminha-se para outra, motiva-se pelo grotesco e pelo demoníaco, explorando estados emocionais primitivos, expressos em movimentos abstratos que usavam o corpo inteiro dos intérpretes. Canções de Tempestade e Totenmal (Monumento aos mortos) são afrescos sobre o caos existencial e o horror da guerra, cabeça baixa, ombros caídos e braços crispados. Sua conquista pelo espaço assume aspecto belicoso, levando o corpo a uma movimentação tensa como a de um guerreiro que persegue o inimigo.
Para ela a dança deveria ter liberdade para expressar individualidades através da humanidade que o bailarino poderia expressar e não pela forma. Ao fazê-lo a coreógrafa criou um tipo de dança que deveria personificar a própria emoção. Em algumas coreografias os dançarinos usavam máscaras, recurso que despersonalizava os intérpretes, transformando-os em tipos e emoções universais, ocultos sob formas ameaçadoras e rígidas o rosto transfere para o corpo todo o potencial emotivo. Eles tentavam assumir uma estrutura sobre-humana, num eco do novo homem de Nietzsche, que influenciava sua criação pelo seu pensamento: “Apenas pela dança eu posso falar adequadamente das coisas maiores.”
Wigman também rejeitava a utilização interpretativa da música julgando-a outro modo de sujeição. Dizia que a música não podia preexistir à dança e que, por isso, o trabalho do compositor e do coreógrafo deveria realizar-se ao mesmo tempo. Frequentemente coreografou sem música servindo-se do ritmo marcado por pés descalços ou por pequenos conjuntos de percussão. Tal despojamento enfatizava ainda mais o caráter trágico de sua dança.
Outro preceito: a dança não conta uma história. Concentra em símbolo ou mito aquilo que está nascendo. Logo seu caráter narrativo, aceito por outros pioneiros da escola moderna jamais encontrara lugar nas criações de Wigman.
Como pedagoga Wigman não tratava seu trabalho como aula, mas como práticas de dança. Ela introduziu uma qualidade emocional ao seu movimento e encorajou seus alunos a encontrarem sua própria individualidade, serem eles mesmos, não copiarem, mas sentirem o movimento. Sua dança culminava num improviso do grupo. Seus movimentos vinham diretamente da respiração. Entre seus muitos discípulos destaca-se Hanya Holm, que radicando-se nos Estados Unidos perpetuou o estilo de Wigman. Porém a mestra afirma não considerar a criação de Holm como continuidade de seu método e sim apenas o uso da técnica como preparo corporal.
Considerando degenerado seu tipo de arte os nazistas fecharam a escola de Wigman em Dresde e ela passou o período da guerra vigiada. Depois de 1945 reabriu sua escola em Berlim Ocidental, continuando também a frente de sua companhia.
Sua última coreografia, feita aos 56 anos, é o que Wigman chama de “Agradecimentos e Despedida”, um pequeno poema lírico composto pela própria dançarina.

Bibliografia

- Canton, Kátia. E O PRÍNCIPE DANÇOU, O CONTO DE FADAS, DA TRADIÇÃO ORAL A DANÇA CONTEMPORÂNEA. Ed. Ática.
- Pveynods, Nacy e McCorninck, Malcon. DANCE IN THE TWENTY CENTURY. Yale University Press.
- Bergsohn, Isa Partsch e Bergsohn, Harold. THE MAKERS OF MORDEN DANCE IN GERMAN. Princeton Bool Company.
- Wigman, Mary. THE LANGUAGE OF THE DANCE. Wesleyan University Press.
- Portinari, Maribel. HISTÓRIA DA DANÇA. Editora Nova Fronteira.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Vsévolod Meyerhold

Por Dirce Thomaz e Fernanda Henrique

“Chorei. Tive vontade de fugir. Aqui só se fala de forma. Beleza, beleza, beleza! Quanto à idéia, um grande silêncio, e se chegam a mencioná-la, é de tal maneira como se fossem ultrajados por ela . Meu Deus. “
Comentário de V.Meyerhold referindo-se ao conceito stanislavskiano (Teatro de Arte de Moscou)

Vsévolod Meyerhold que nascera em Penza, na Rússia central em 1874, desde muito jovem tem contato com arte por intermédio de sua mãe, que transmitiu ao filho o gosto pela música e espetáculos. Sua primeira experiência teatral foi aos 18 anos com teatro amador em uma representação escolar, onde atuou e também foi assistente de direção.

Meyerhold foi para Moscou estudar direito, mas abandona a curso e entra na escola dramática, participa do Teatro de Arte Moscou fascinando-se pela arte de Stanislaviski, após algumas experiências no T.A.M Meyerhold começa a discordar do conceito stanislavskiano, em 1902 separa-se de seus mestres e junto com Kocherov monta um grupo chamado “ Sociedade do drama novo “com a tentativa de contrapor a estética naturalista . O próprio Meyerhold percebe a dificuldade em realizar na pratica seus desejos teóricos, mas Stanislaviski que sempre estava em busca do novo e admirava o ex- aluno, mesmo após uma tentativa não bem sucedida, convida-o para juntos abrirem o Estúdio Teatral ;

“Não se tratava de um teatro organizado nem de uma escola para principiantes, mas de um laboratório onde se fariam experiências com atores mais ou menos traquejados"

E mais uma vez essa tentativa não foi bem sucedida, afinal havia entre Meyerhold e Stanislaviski um conflito de gerações: a do “teatro do ator” e a “ teatro do diretor “.Stanislaviski expressa sua inquietação aos experimentos de Meyerhold reafirmando o abismo que existe entre o desejo do diretor e sua realização.

Depois de um longo tempo Meyerhold compreende que naquele momento o que dificultava esse “processo de inovação” eram os elementos inconciliáveis que utilizava:dramaturgia simbolista, pintores estilizantes e jovens atores formados pelo realismo psicológico do teatro de arte e, então entende que era necessário formar um novo tipo de ator e só então impor-lhe as novas tarefas.

No mesmo período em que se submete a ser diretor e ator no teatro imperial (Companhia Dramática Alexandria) realiza sua pesquisas do teatro popular usando o pseudônimo de Doutor Dappertutto, neste momento cria o estúdio-escola, onde tem as seguintes matérias:

I - Estudo da técnica dos movimentos cênicos: dança, musica, atletismo, esgrima. Esportes recomendados: tênis, lançamento de disco, barco a vela.

II - Estudo prático dos elementos materiais do espetáculo: cenário, decoração,iluminação do palco;os figurinos e os objetos de cena.

III - Princípios fundamentais da técnica da comedia italiana improvisada.

IV - Aplicação ao teatro moderno dos métodos tradicionais de espetáculo dos séculos XVII e XVIII (estudo sem academismo dogmático nem espírito de imitação).

V – A música do drama

Partindo de um treinamento de técnicas corporais Meyerhold cria um sistema teatral: a biomecânica que permiti o ator dizer com o corpo o que em outros momento foi dito apenas com o texto.”A relação do espaço com o corpo do ator e com seus gestos...”. Neste processo usa-se também o recurso do distanciamento da interiorização (termo mais tarde nomeado por Brecht) substituído pela técnica corporal. Nasce então um novo tipo de encenação ligada com o construtivismo (movimento vanguardista russo de 1920) , onde o palco alem de focar os movimentos dos atores deu espaço para iluminação, artes plásticas fundamentando a teatralidade e a função social.

Meyerhold com o desejo de trazer uma nova encenação, rompe com as formas dramáticas de representação e traz para a cena um novo ator. Com todas estas inovações Meyerhold proporciona a criação também de um novo olhar, pois com a criação de uma nova encenação, de um novo ator pressupõe-se a necessidade da “criação” de um novo espectador.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A dimensão utópica da poética Craiguiana


Por Lucila Andreozzi e Raquel Serradas

Edward Gordon Craig (16 de Janeiro de1872 – 29 de Julho de 1966) filho do arquiteto Edward Godwin e atriz Ellen Terry, cresceu dentro do teatro aprendendo a interpretação de Shakespeare com Henry Irving. Em seu caminho de ator, cenógrafo e encenador preferiu peças com grandes curvas dramáticas e reviravoltas transformando-as em luz e espaço.

Em seu livro “Da Arte do Teatro” Gordon Craig escolhe começar o capitulo “O Actor e a Sur-Marionete” com uma frase de Eleonora Duse: “Para que o Teatro se salve é preciso destruí-lo; que todos actores e actrizes morram da peste... Eles tornam a Arte impossível”. Demonstrando assim a sua opinião sobre o teatro e a atuação de sua época e o tamanho da mudança necessária para a sobrevivência do teatro.

Os atores são alvo das maiores criticas de Craig. “Um ator que se entrega aos seus impulsos não pode ser mais considerado como um instrumento confiável”. A critica ao ator de sua época vai mais longe, questionando se o que este faz é arte, já que o este impregnado de emoções e não atinge a pureza do que ele considera arte.

“A teoria da supermarionete questiona a presença do ator, do corpo como matéria artística, a referencia do marionete, do boneco, não é do títere mas de figuras feitas “ á imagem de Deus”, imagens de ídolos, que não tinham necessidade de fios e manipulação para expressarem algo, é a relação com o sagrado.Sendo um corpo não humano está esvaziado de vaidades e emoções, sendo assim, livre para poder estar dentro da arte da encenação.

Os projetos e encenações de Gordon Craig trabalhavam com a idéia da Caixa preta do palco italiano transformando-o em uma caixa mágica, através da iluminação e da cenografia tornando a encenação uma obra de arte plástica, rítmica que deve ser admirada e adorada pelo seu público. E a frontalidade do palco italiano favorece essa relação.

A cenografia era o que dava o poder expressivo ao espaço tradicional da encenação, no lugar dos telões de fundo com castelos, cidades ou paisagens entraram os screens (biombos) como prolongamento da arquitetura, que era a imagem cênica em movimento.

Busca desenvolver uma técnica cenográfica com formas não-imitativas que possibilite manter a continuidade do espetáculo e permita a intervenção do diretor a qualquer momento, tais como rampas e passarelas. O palco dividido em tabuleiros que podem ser trabalhado em vários níveis e transformado com a utilização da iluminação.

A luz agora era projetada do fundo da sala e do urdimento e não mais apenas luz de ribalta possibilitando a profundidade da cena, o movimento e o jogo de contraste de sombra e luz, tornando-a uma linguagem cênica. Tanto a cenografia como a iluminação de Craig tiveram forte influência de seu contato com a xilogravura.


A considerada grande utopia de Craig, era a de que o espetáculo deveria ser em si uma obra de arte, que tudo que o formava não deveria ter importância maior ou menor, isso porque o teatro de sua época tinha como ponto central o texto. Muito influenciado por Wagner e sua obra arte total (que integra poesia, musica, pintura e arte do ator), queria ele também a grande obra de arte, mas o seu foco era na encenação e para a organização desta, surge à figura que Gordon Craig chama de régisseur pra nós o equivalente ao encenador.

Podemos afirmar que de alguma forma as proposta de Craig em grande parte foram e são realizadas, no decorrer da historia do teatro até hoje.Os corpos dos artistas criadores que não se expressa apenas com palavras, encenações em que truques de luz e cenário modificam toda a atmosfera do espetáculo e o publico que participa intelectual e as vezes ate fisicamente do espetáculo ( o que para Craig seria demais, sendo ele um encenador que presa pela ilusão), ele foi o ponto de onde germinaram mudanças significativas para o teatro.

Bibliografia

BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro
CRAIG, Edward Gordon. Da Arte do Teatro
ROUBINE, Jean Jacques. A linguagem da encenação
ROUBINE, Jean Jacques. Teorias do Teatro

O registro e a troca

Este blog será um diário, relato, registro das pesquisas e discussões realizadas no Núcleo de Estética Teatral, História do Teatro, da Escola Livre de Teatro, coordenado por Antônio Rogério Toscano.

Na próximas postagens serão registrados os textos criados pelos próprios alunos no segundo semestre de 2008 numa pesquisa que une o estudo de "Teatro pós-dramático", de Hans Thies Lehmann e do estudo das linguagens da encenação teatral no século XX que culminaram neste teatro contemporâneo.